domingo, 8 de setembro de 2013

A Massacre de Katyn e a Distopia da História Limpa

O filme Katyn do polonês Andrzej Wajda é importante para a reflexão por parte de docentes e historiadores, visto que diz respeito à evocação, apropriação e manipulação da memória social. Em 1939 a Polônia foi invadida pelos dois flancos - por soviéticos e alemães - na floresta de Katyn 20 mil oficiais do exército polonês foram cruelmente assassinados por soviéticos - não foi uma execução militar, mas puramente um crime bárbaro - a fim de eliminar as elites militares para tornar frágil o país numa futura invasão. Trata-se de razão militar instrumental - a mesma operada nos "Campos de Concentração Nazistas" e na cruel utilização das "Bombas Atômicas" contra os japoneses. Como a característica fundamental dos "crimes bárbaros" modernos é a negação de sua existência e/ou o silenciamento sobre os fatos por parte daqueles que ordenaram o ato torpe, a narrativa fílmica trata de apresentar as estratégias e táticas de Estado e da sociedade diante do acontecimento. Num trinômio de práticas, os parentes e amigos das vitimas desejavam a ilustração real do acontecido, ou seja, sublinhar eticamente que "foram os soviéticos os verdadeiros responsáveis". Então, procuraram inúmeras formas de resistir a apropriação e manipulação dos fatos de Katyn. Noutra perspectiva, o Estado Alemão apropriou-se da memória utilizando os fatos para demonstrar que diante do poder soviético-comunista a ocupação alemã representava libertação, quando na realidade o nazismo estava desenvolvendo as mesmas práticas de extermínio - na Polônia - com os mesmos objetivos. Depois da ocupação soviética - com a derrota alemã - na Polônia o novo governo passou a manipular a memória acusando os alemães-nazistas pelo extermínio de Katyn do qual os soviéticos foram o verdadeiros responsáveis. 
Dessa forma, não é exagero a expressão "Combates pela História", o docente de história e os historiadores vivenciam cotidianamente tensões institucionais frente a chamada "História Oficial" de interesse dos Estados e do Capital que se caracteriza por uma história limpa dos fatos inconvenientes que insiste em substituir a verdade insuportável pela omissão tranquilizadora. De nosso lado, temos compromisso com nossa bossa; com a razão, os documentos e a memória social. Não há historiador ético que negligencie o bom combate. A distopia da história limpa revela a dimensão política da escrita da história. O real vivido não está paralisado no passado a espera do historiador para que de fato se transforme em saber histórico. A memória social e os documentos estão carregados de relações de poder que imperam no cotidiano. Não há como escrever a história alijada dos poderes institucionais e econômicos modernos que nos interpelam e nos agenciam a cada momento que respiramos o acontecimento. É em tensão que a memória se faz social - na guerra isto é evidente. Quando cessa o conflito belicoso a tensão ainda persiste sobre meios agora ideológicos. Assim, cabe aos docentes e historiadores - como já afirmou Pierre Vidal-Naquet - arrancar os fatos históricos das mãos dos ideólogos que os exploram. 

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