domingo, 8 de dezembro de 2013

Do Fetiche Da Mercadoria À Vida Social Dos Objetos

 Esse caráter fetichista do mundo das mercadorias provém [...] do caráter                                                      social do trabalho que produz mercadorias.
                                                   Karl Marx - O Capital 

  Tornou-se um clichê dizer que nós não devemos tratar as pessoas como                                                      coisas. Mas trata-se de um clichê equivocado. O que fizemos com as                                                            coisas para devotar-lhes um tal desprezo?
                            Peter Stallybrass - O Casaco de Marx

Em essência, Marx já no inicio de O Capital trava esforço interpretativo a fim de desvendar o enigma da mercadoria. Há na mercadoria - no mundo social da produção e das trocas - um segredo que precisa ser estrondosamente revelado, ou seja, o caráter fetichista da mercadoria. Na sociedade capitalista a mercadoria universaliza-se no mercado, cada vez mais globalizado, em que a equivalência entre os objetos de consumo se descolaram da realidade social dos produtores. O fetiche da mercadoria traduz exatamente o processo de autonomia completa dos objetos socialmente produzidos de seus efetivos produtores. Conceito da antropologia que servia para identificar e desqualificar os povos pré-capitalistas da África - sempre presos aos objetos mágicos - frente à razão moderna Ocidental - que em passo de "evolução civilizacional" - agora percebia os objetos como coisas que se podia comercializar. De fato, a partir da alta modernidade houve uma radical cisão ética entre o "ser e os objetos". O sujeito procura escapar da condição de objeto. Ser livre é não ser objeto. É preferível uma filosofia de "o ser e o nada" do que de "o ser e o objeto". Não é a toa de que a crítica moral mais contundente à modernidade se encontre exatamente em seu materialismo explícito. 
Entretanto, é importante escapar dessa crítica moral, mesmo Marx enfatizava que havia dois valores aos objetos: o de uso e o de troca. No mercado o objeto é sempre troca - transforma-se em mercadoria carregada de fetiche. Mas na vida social os objetos estão carregados de memória e afetividade atributos construídos nas práticas ordinárias de uso. Há uma vida social dos objetos que precisa ser compreendida para que possamos pensar o objeto como ser carregado de memória e afetividade. Independentemente do contexto de hiperconsumo e de  descarte acelerado dos objetos a fim de consumo de novas mercadorias, ainda há nas coisas valor que transcende à publicidade. Quando o corpo esvazia-se de vida isto fica evidente, pois diante dos objetos pessoais é possível ainda sentir a vida daquele corpo que já não existe mais, as roupas, os óculos, os sapatos, os livros e a mobília estão tão carregados de existência humana que é impossível desprezá-los.