domingo, 16 de novembro de 2014

O Gigante Acordou: Da Paranoia à Esquizofrenia Anticomunista


David Harvey aponta uma importante distinção entre a mentalidade social moderna e pós-moderna que pode servir como mote explicativo para o entendimento do medo político que paira no imaginário da Direita brasileira. A modernidade caracteriza-se pela paranoia, ou seja, o descolamento da realidade com o excesso de suspeitas que se avolumam e proporcionam surtos persecutórios estruturados em bases lógicas. Em síntese, a paranoia é o absurdo exagero da realidade. Nos anos 50 e 60 a paranoia anticomunista inaugura – de fato – a Direita moderna brasileira como fenômeno de rua que se traduzia na fobia da ameaça à ordem cristã e à propriedade privada da qual logicamente representava o Governo João Goulart. Isto é tão evidente quando nos reportamos as imagens de poder apresentadas nos jornais da época. A paranoia estava exatamente no exagero do perigo vermelho, pois naquele contexto o comunismo internacional impunha-se como fato político [Guerra Fria]. Portanto, partia-se de uma realidade e de uma lógica relativamente palpável. Hoje sabemos que o perigo comunista era antes verossímil do que verdadeiro. A fraca reação da esquerda à derrubada de Goulart é esclarecedora. O Gigante Acordou antes como paranoia do que realidade política.
Na pós-modernidade é a esquizofrenia que mobiliza a mentalidade social. Trata-se de dissociação e dissintonia das funções psíquicas que fomenta a fragmentação da personalidade e a perda do contado com a realidade do mundo social. Estamos no século XXI o Socialismo Real nem agoniza mais, pois efetivamente não faz parte do mundo político desde 1991 com o fim da URSS. Entretanto, ainda se posta além do espectro político para a Nova Direita brasileira. Ao contrário da paranóia anticomunista, a esquizofrenia anticomunista não exagera na realidade, visto que não há realidade alguma. As tradições modernas estão volatilizando-se e o medo anticomunista revela a ausência de roupagem ideológica da Nova Direita frente à revolução molecular cotidiana que torna explícito o poder tradicional das elites de toda a ordem. O Gigante Acordou, nas manifestações de Junho de 2013, contudo não há relação entre a realidade concreta e o imaginário político apresentado pela Nova Direita. Não há consciência política, apenas há o inconsciente evocando seus fantasmas. 

A Direita Brasileira: Do Imaginário Político à Política Imaginada

O pensamento político de Direita é universal e empolga a dupla revolução moderna, na forma de produzir [Revolução Industrial] e nas relações de poder [Revolução Francesa]. Diante do solapamento revolucionário das estruturas feudais engendrou-se uma postura política moderna que consiste em conservar o poder nas mãos da vanguarda industrial-burguesa. Em substância. trata-se de visão negativa do homem e da sociedade [natureza imutável], da defesa da tradição e de restrição da igualdade à lei e à formalidade. Há também a concepção da sociedade a bloco unívoco sem contradições de gênero, de raça e de classe. A função do Estado – em geral – corresponde essencialmente ao poder de manter a segurança e de assegurar a propriedade privada. A liberdade é sempre do indivíduo abstrato e isolado que no interior do mercado deve exercê-la no limite de seus méritos pessoais. A desigualdade social infere-se como fruto da natureza humana que pode ser corrigida com a suspensão de qualquer modelo de auxílio social [medida artificial e perniciosa] e a positiva pressão do mundo do mercado sobre os indivíduos. 
Há na política sempre elemento cultural e histórico que regionaliza as práticas de poder. A especificidade da Direita brasileira está – sem dúvida – no tardio estabelecimento do contraponto político advindo do proletariado moderno e do jacobinismo igualitário que no choque político proporcionou – nas nações avançadas – o equilíbrio importante para o nascimento das democracias liberais modernas. Aqui – por exclusão da maioria da população do campo político – a democracia por um longo tempo sempre foi um simulacro de modernidade. O Brasil nasce em 1822 no calor da dupla revolução, mas independentemente das forças revolucionárias modernas o pensamento político dominante no país foi o de adaptação elitista do moderno às estruturas de poder tradicional. Não há povo como realidade política. Assim, a latifúndio e a escravidão mantiveram-se como fenômeno que indicia o elitismo brasileiro impregnado nas instituições e que marca a desigualdade como o imenso atraso do Brasil. Ainda hoje a escravidão e o latifúndio estão, sob o véu da modernidade, presentes na matriz das desigualdades de toda a ordem no país [trabalho doméstico sem garantias modernas, trabalho infantil, trabalho escravo não são meros acidentes]. Dessa forma, no discurso político da Direita brasileira não há qualquer oposição entre desigualdade social e modernidade econômica. Há no imaginário político da Direita o medo da alteração da ordem social engendrada pelo mercado e que naturalmente empurra os indivíduos para a prosperidade. A Direita brasileira pontua seu imaginário na naturalização das desigualdades no país. Como os pobres no Brasil estão ainda ligados aos desdobramentos do escravismo a saída ideológica consiste em negar qualquer reparação histórica. Efetivamente, o fim do escravismo foi muito mais ato de eliminação da vergonha das elites nacionais frente às nações liberais modernas do que política ética de emancipação e integração dos afro-brasileiros. Na caixa de pandora das elites políticas está o preconceito e a visão negativa frente às massas empobrecidas.

sábado, 1 de novembro de 2014

O Voto e o Reino Da Necessidade no Brasil Novo

Estamos diante de um mundo novo no Brasil. E como dizia Hegel: "[...] esse mundo novo não tem, como não a tem a criança recém-nascida, uma realidade efetiva acabada". Assim, não é no senso comum que encontraremos a explicação para o novo que invade nosso velho mundo da Casa-Grande & Senzala. Há neste Brasil novo uma transformação social acelerada com a saída de dezenas de milhões de brasileiros da faixa de pobreza absoluta e o fortalecimento econômico da classe C - como resultado imediato  houve a universalização do Ensino Básico, o incremento de estudantes no Ensino Superior e a queda do percentual de analfabetos no país. Com isto é possível afirmar que houve uma melhoria significativa na qualidade do voto dos eleitores brasileiros - e não o contrário como poderíamos imaginar. E é esta realidade nova que não podemos contornar ao avaliar a popularidade de um governo alvo de excessiva espetaculização midiática e que - indiferentemente - alcança vitória nas urnas.  


O resultado da alta popularidade de um governo progressista no país, independentemente da ofensiva midiática, produziu nos intelectuais brasileiros [como no digníssimo José Murilo de Carvalho] a reprodução sofisticada do senso comum. Ou seja, a alta popularidade deste governo se explica pelo apoio dos pobres do "Bolsa Família" e pelo atraso da educação brasileira. A expressão - presente na filosofia moderna - reino da necessidade explicaria a relação entre o baixo nível social e a escolha pelo governo do PT. O grosso dos eleitores que optaram pelo governo Dilma não o fizeram por liberdade, mas por necessidade material e baixa instrução escolar. Argumento esteticamente aceitável - como toda a imagem no pós-modernismo - mas vazio de conteúdo explicativo. Não é preciso nem reler Kant ou Hegel para refutar esta redução conceitual. O reino da necessidade está no todo da sociedade civil e influencia, sim, o voto dos eleitores modernos. Contudo, influencia a todos - sem exceção. É tão legitimo e racional a escolha por parte de eleitores beneficiados pelo "Bolsa Família" por Dilma como a escolha por Aécio Neves por parte de grandes empresários e banqueiros beneficiados com a política econômica neoliberal. Claro que é uma escolha no campo do reino da necessidade [economia] e seria melhor uma escolha no reino da liberdade, mas a decisão livre passa pela libertação da "jaula de ferro da modernidade e do mercado" da qual estamos todos presos.